Hoje é um dia próprio para reflexões. Mas por que falar de temas tristes nesta época do ano? É que nesta época, tem coisas que doem mais que em qualquer outra. Vou contar uma história e você, leitor, vai concordar.
Quem quiser saber o que acontecerá conosco daqui há alguns anos, deve visitar um asilo. Qualquer um. Apesar do ótimo tratamento dispensado por estas instituições é muito triste a situação dos idosos ali colocados. São pessoas doentes pela idade (inevitável). Às vezes, nem tem problema grave, contudo são deixadas porque dão muito “trabalho”, necessitam de dedicação em tempo integral, as despesas não são fáceis para os familiares. Outros por causa de sua situação – geralmente algum problema mental – nesse caso, fica ainda mais difícil para os familiares e são deixados em entidades como a Casa do Idoso, cujos profissionais são bons, treinados para ter paciência. O atendimento religioso também ajuda, certa vez,  para uma reportagem da Rede Hoje, acompanhei o Frei Éderson Queiroz e ví a diferença (positiva) que isso faz. Mas é diferente de casa, da família.
Escrevi uma reportagem para a revista Presença em setembro de 1991 sobre o Asilo São Vicente de Paula. Para fazer a reportagem, conversei com alguns personagens e achei deliciosas as histórias que contavam. Umas verossímeis, outras nem tanto, eram frutos de mentes já confusas.
Uma história bonita e triste era de um senhor chamado Zico. O “seo Zico” nasceu em agosto de 1909. E contatava que fez de tudo na vida:
— Fui ferreiro, carpinteiro, fazia o que queria com madeira e ferro: carros de bois, armas de fogo. Minha maior diversão, era caçar e tudo com minhas armas, de fabricação própria. Morava perto de São Benedito e não sei ler, mas tenho saída em qualquer repartição.
Mas ele não teve muita sorte. Foi casado duas vezes, na primeira com 19 anos e a esposa, dona Afonsina, era nove anos mais velha. Tiveram dois filhos, mas ela morreu quando tinham quatro anos de casados. O segundo casamento aconteceu bem mais tarde. Ele tinha 40 anos, a segunda esposa, também era mais velha em dois anos. Viveu com dona Rufina 38 anos. Ela morreu de AVC aos 80 anos. O filho, Adelino, também morreu com 20 anos, de infarto.
— Fecho os olhos e os vejo fazendo de tudo, como se fosse hoje.
Contava com saudade.
Um dia apareceu um outro senhor na Santa Casa de Patrocínio com amnésia. Não sabia responder a mais simples das perguntas: o próprio nome. Foi levado para o asilo e ninguém nunca procurou por ele. Isso foi em 1989. Como não sabia o nome, não tinha documentos, passaram a chamá-lo “Aristides”. Morreu anos depois sem saber quem era, nem de onde veio.
Contudo, o José Venâncio de Vasconcelos, todo mundo sabia de onde era e a cidade tinha um grande carinho com ele. Era o “Zé Bonitinho”. Era o tipo mais popular de Patrocínio. Nascido em março de 1905, em Gameleira, perto de Macaúbas, embora os documentos indicassem o nascimento no município de Coromandel. Adorado pelas crianças, incapaz de fazer mal a qualquer criatura. Se preocupava mesmo era com a aparência. Chegou a me cobrar um “paletó branco, bem bonito”.
— Olha, Zé, branco eu não tenho, mas tenho uma de outra cor, não serve?
— É bonito?
— Muito!
— Então serve, viu?
As pessoas com mais de 30 anos se lembram de Regina Arruda Martins, “Regininha”, que nasceu em Coromandel. Veio para Patrocínio com dois anos de idade, fez o primário, casou-se e teve dois filhos – Gaspar e Vicente – que morreram jovens. Vicente foi depois do pai e do irmão. Morreu por alcoolismo. Depois da tragédia com os três familiares, “Regininha” começou a andar pelo cidade, sem rumo. Corpo curvado, cabeça baixa, como se procurasse algo no chão. Também incapaz de maltratar quem quer que fosse. Calma, educada, sem elevar o tom de voz, morreu com mais de 100 anos.
Com eu dizia, naquela edição de Presença, o adjetivo “velho” desperta em nós a sensação de algo ultrapassado, fora de época, obsoleto, inútil. Essa fase da vida se caracteriza pela angústia de se perceber envelhecendo, com as chances de realização diminuindo em virtude da passagem impecável do tempo. O isolamento social é uma característica evidente do idoso.
Devemos questionar as condições de vida na terceira idade, recriar tudo, refazer relações para que os velhos não sejam excluídos, nem fiquem sozinhos e confinados em asilos. E se precisarem ir para essas instituições, que não fiquem sozinhos, porque nada deve doer mais que a solidão depois de ter dado uma vida por irmãos, filhos e netos, terminar sozinho…. isolado.



Crônica integrante do meu quinto livro — segundo da série — "O Som da Memória, A Volta", lançamento previsto para breve.
“Recebe, quando recebe domina, quando domina se prepara, atira para o arco e... gooooolll!”. Essa era a característica narrativa do locutor esportivo Joaquim Assis Filho. Além de radialista, Assis Filho, como era conhecido, também atuava na política (filiado ao PFL – chegou à presidência da Câmara Municipal), em clube de serviço (membro do Lions Clube de Patrocínio), na administração pública (quando morreu era secretário de Esportes) e na polícia (era escrivão de polícia).

Era bom em tudo: político astuto, policial inteligente, orador eloquente, pai extremado, mas seu maior dom era o rádio. Não é exagero dizer que a cidade parava quando havia fatos polêmicos, especialmente os policiais, no seu programa “Comentário do Dia”, às 12 horas, “quando os ponteiros apontam para o infinito”, dizia.

Na locução esportiva tinha um estilo de narração que já não tem representantes no rádio atual, como havia Vilibaldo Alves, Doalcei Camargo, Jota Júnior, entre outros. Com voz aguda e rapidez de raciocínio, tinha o dom de prender o ouvinte pela emoção que passava (especialmente quando estava em campo o Clube Atlético Patrocinense ou o Cruzeiro).

Foi um dos grandes defensores do povo, como radialista e político. Lembro-me de brigas fortes entre ele e o prefeito Afrânio Amaral, também um político interessado em fazer o melhor. Os dois estavam no mesmo governo, mas quando em defesas de posições diferentes quase chegavam às vias de fato.

O Assis também era um sujeito bem-humorado e não perdia a esportiva, mesmo quando errava. Certa vez, num jogo amistoso entre o Patrocínio Esporte e o Atlético Mineiro, à noite, no estádio Júlio Aguiar, um lance engraçado.

Falta para o Galo. O lateral atleticano Ronaldo – cujo chute era um canhão – vai para a cobrança. A bola colocada pelo árbitro – creio ser o Jovelino – pelo lado esquerdo do ataque, contra o gol que fica para a Avenida Faria Pereira. O Frazão (Perereca) era o goleiro do Patrocínio. Eu, repórter, atrás do gol. O Ronaldo recua uns três metros, corre para a bola e pimba! A pancada faz a bola furar a rede. E o Assis Filho:
— Correu Ronaldo, bateeeu…. Para fooora!
Eu digo: “Assis, furou a rede!”
E ele, sem titubear:
— Então é... goool!

Esse lance entra para a história do folclore do nosso rádio.

Crônica integrante do meu quinto livro — segundo da série — "O Som da Memória, A Volta", lançamento previsto para este mês de dezembro de 2023.

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