Decisão que encerra transferência de tecnologia após 17 anos será debatida em audiência pública na Assembleia Legislativa nesta segunda-feira; fundação alega inviabilidade financeira para manter produção
Fachada da Fundação Ezequiel Dias, que paralisará a produção de vacina contra meningite - Arquivo ALMG (Foto: Elizabete Guimarães)
Da Redação da Rede Hoje
O governo de Minas Gerais decidiu encerrar a transferência de tecnologia para produção de vacinas contra meningite pela Fundação Ezequiel Dias (Funed). O contrato de 17 anos com o Ministério da Saúde será finalizado em fevereiro de 2026, conforme anúncio feito pela Secretaria de Estado de Saúde e pela própria fundação em agosto deste ano. A medida suspende os projetos de produção das vacinas contra meningite C e ACWY, que tinham como objetivo abastecer o Sistema Único de Saúde.A decisão será tema de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais nesta segunda-feira (6/10/25). O debate foi requerido pelos deputados Lucas Lasmar (Rede) e Bella Gonçalves (PSOL), que pretendem discutir os impactos no direito à saúde da população. A reunião ocorrerá no Auditório José Alencar, com participação de representantes da Funed, Secretaria de Saúde e Ministério da Saúde.
De acordo com o requerimento da audiência, a Funed tem papel histórico e estratégico no Complexo Econômico-Industrial da Saúde. A fundação é responsável pela produção de imunobiológicos fundamentais para o SUS, incluindo a vacina ACWY que protege contra a meningite meningocócica causada pela bactéria Neisseria meningitidis. Esta vacina integra o calendário nacional de imunização e é considerada vital para crianças, adolescentes e populações vulneráveis.
O deputado Lucas Lasmar classificou o fim da transferência tecnológica como um retrocesso na autonomia nacional e mineira na produção de vacinas. Em sua avaliação, a medida compromete a segurança sanitária e o abastecimento contínuo dessa vacina no SUS. O parlamentar também expressou preocupação com atrasos na produção de soros antiofídicos e antitetânicos, que afetam o atendimento emergencial em regiões rurais e distantes.
INVIABILIDADE FINANCEIRA
A Secretaria de Estado de Saúde e a Funed justificam a decisão pela necessidade de altos investimentos para manter a produção. A construção de uma fábrica completa de vacina meningocócica teria custo estimado em R$ 2 bilhões, valor considerado inviável para os dois órgãos estaduais. Outro fator considerado foi a possível descontinuação da vacina de meningite C pelo Ministério da Saúde no futuro, com foco apenas na versão ACWY mais moderna.
A Funed informou que não assinará a Parceria para o Desenvolvimento Produtivo da vacina ACWY por não ter condições de construir nova planta fabril dedicada à produção da proteína CRM197. A estimativa de gastos com essa obra é de R$ 1 bilhão, conforme informado pela farmacêutica GSK. A fundação destacou que, por ser uma fundação pública de direito público, está submetida à burocracia estatal que dificulta a agilidade necessária para projetos farmacêuticos.
Nos últimos anos, a Funed realizou estudos em busca de alternativas e discutiu parcerias com outras fundações e laboratórios privados. A instituição contratou a Fundação Getúlio Vargas para prestação de assessoria técnico-institucional com foco na reestruturação. A finalização do contrato de transferência aguarda trâmites internos no Ministério da Saúde, que possui outro laboratório público que poderá assumir a produção do imunizante.
A antecipação da decisão, segundo a nota oficial, visa possibilitar que o Ministério da Saúde se prepare com segurança para evitar o desabastecimento dessas vacinas no futuro. A SES e a Funed se colocaram à disposição para colaborar no processo de transição do fornecimento dos imunizantes. A expectativa é que a transição ocorra sem interrupção no abastecimento para o SUS.
IMPACTOS NO SUS
Lucas Lasmar avalia que a crise vivenciada pela Funed ameaça sua função estratégica para o SUS e configura um processo de desmonte silencioso. O deputado recentemente protocolou denúncia no Tribunal de Contas do Estado sobre a situação. Ele afirmou que a instituição sempre foi orgulho dos mineiros e referência nacional em vacinas, medicamentos e soros, mas agora o governo estadual estaria desmontando essa estrutura estratégica.
O parlamentar defende que o debate se faz urgente e necessário para buscar esclarecimentos, cobrar providências e discutir soluções concretas junto aos órgãos competentes. O objetivo seria garantir o fortalecimento da Funed, a retomada dos projetos de produção e o compromisso com a saúde pública. A audiência pública representa uma oportunidade para discussão técnica do tema com todos os envolvidos.
Fundada em 1907, a Funed atua há mais de um século buscando soluções para a saúde pública. A instituição mantém parceria com o Ministério da Saúde para o fornecimento de outros medicamentos, incluindo insulina, talidomida, entecavir e soros antipeçonhentos. A fundação reafirmou em nota seu compromisso com o SUS, mesmo com o encerramento da produção das vacinas contra meningite.
Na audiência pública desta segunda-feira, além dos órgãos citados, devem participar representantes do Conselho Estadual de Saúde, da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde e entidades da área da saúde. A Federação Nacional dos Farmacêuticos, o Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais e a Associação dos Trabalhadores da Funed também confirmaram presença no debate.
A FUNED é uma instituição mineira de saúde pública com autonomia financeira e administrativa, vinculada à Secretaria de Saúde de Minas Gerais. Ela trabalha no fortalecimento do SUS através da produção e distribuição de medicamentos e vacinas, além de realizar pesquisas, análises laboratoriais e atuar como laboratório de referência nacional para doenças como a leishmaniose. A decisão sobre as vacinas de meningite marca uma mudança significativa em suas atividades produtivas.
O desfecho do processo dependerá dos encaminhamentos definidos na audiência pública e das tratativas entre governo estadual e Ministério da Saúde. Enquanto isso, a Funed mantém sua produção regular de outros medicamentos essenciais para o sistema público de saúde. A transição da produção das vacinas de meningite para outro laboratório público deverá ser concluída antes do término do contrato em fevereiro de 2026.
