Colégio Dom Lusosa na primeira metade do século XX. Foto: Fundação Casa da Cultura
Pesquisa. É o fundamento para o bom conhecimento. Com a ajuda da “Enciclopédia dos Municípios Brasileiros”, editada em 1959, mais revelações oficiais de como foi o município de Patrocínio nos anos 50. Coisas surreais para as atuais gerações. Mas que valem a pena serem conhecidas (ou lembradas). A importância do Hotel Serra Negra, a pujança das melhores escolas do Alto Paranaíba, como era a imprensa, a vez da cisterna e lamparina, e, quem cobria o constante déficit da Prefeitura. Fatos inimagináveis. Fatos sobrenaturais para a realidade atual.
BERÇO DA EDUCAÇÃO REGIONAL – A partir dos anos 30 até a década de 60, o Ginásio Dom Lustosa (padres holandeses) e Escola Normal Nossa Senhora do Patrocínio (freiras belgas, em parte) dominaram a qualidade do ensino no Alto Paranaíba. Por isso, tanto um como o outro recebiam alunos(as) em seus internatos (alunos que residiam nas próprias escolas, sob severa vigilância, no aspecto educacional, religioso e comportamental). Nos anos 50, por exemplo, nos internatos eram registrados adolescentes de Patos de Minas, Monte Carmelo, Coromandel, Paracatu, Carmo do Paranaíba e de diversas outras cidades. Nas duas escolas, havia quase 100 alunos(as) ao ano, no Internato. A cidade possuía, nos anos 50, três estabelecimentos de ensino secundário (Dom Lustosa, Professor Olímpio dos Santos e Escola Normal), dois de ensino pedagógico e um de ensino comercial (Escola Padre Mathias, depois substituída pelo Colégio Olímpio dos Santos). No ensino primário, em 1956, existiam 45 unidades escolares (hoje, 42 de ensino fundamental), 106 professores (hoje, 685 no Fundamental) e quase 4.000 alunos (hoje, quase 12.000 matrículas no Fundamental).
Hotel Serra Negra. Foto: reprodução da TV Hoje|Rede Hoje
HOTEL SERRA NEGRA – Desde a sua inauguração nos anos 20 até os anos dourados, o saudável local também era chamado de Hotel Balneário ou Parque Hotel. Turistas da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Goiânia e Uberlândia, para não dizer de Patos Minas (sobretudo), Monte Carmelo e outras cidades do Triângulo, tinham Serra Negra como alternativa (talvez, pela questão de preço) ao Grande Hotel de Araxá. Era usual, muito comum, fazer e passar a “lua de mel” no Hotel do Serra Negra. No hotel havia o tradicional banho com lama medicinal, a maravilhosa fonte de água sulfurosa (tem até foto nessa Enciclopédia de 1959), a fonte de água radioativa e o magistral hotel no meio da mata, com límpido córrego em sua frente (na Enciclopédia, mais fotos desse aconchegante hotel, há setenta anos). Hoje, restaram as ruínas, o desprezo, o desaparecimento quase total das águas e a... saudade de um tempo de glória e magnífico.
MACHISMO MANDAVA... – Em três atividades no Município não tinha mulher e hoje é normal tê-la. Segurança pública (polícias militar e civil) tinha somente 23 homens e nenhuma mulher, conforme registra o Censo de 1950. Na atividade comércio de imóveis e valores mobiliários, crédito e seguros (portanto, incluindo os três bancos) havia 50 homens trabalhando e “zero” mulher. Como também nas indústrias extrativas, que possuía 43 homens.
NEM ÁGUA, NEM LUZ... – Em 1954, estavam edificadas 2.338 casas (incluindo os poucos prédios). Somente 1.030 delas tinha “pena” d’água (“pena” é igual à ligação de água à casa). E 1.118 casas tinham ligação elétrica, que por sinal, com energia bem fraquinha. Assim, mais da metade da cidade não tinha nem água, nem luz. Nessas casas a “cisterna” e a lamparina a querosene (ou vela) eram a única solução.
POUCO BANCO, POUCO COMÉRCIO, TACANHA IMPRENSA – Banco do Brasil (Rua Presidente Vargas), Banco Mineiro da Produção (Rua Presidente Vargas) e Banco Comércio e Indústria (Praça Honorato Borges) formavam a rede bancária. Na cidade, em 1950, existiam 318 varejistas (“armazéns”, “vendas”, boteco, bar e lojinhas de quitanda, como o Café da Vovó) e 12 atacadistas (arroz e de comércio em geral). A Rádio Difusora (Praça Honorato Borges) era verdadeira vitrola, que tocava 78 rotações (disco de vinil com duas músicas). Entrava no ar às 7 horas da manhã e encerrava a transmissão às 17 horas. Pois, não havia energia suficiente à noite. Programas jornalísticos inexistiam. No meio da semana e aos domingos aconteciam os programas de auditório. A Gazeta de Patrocínio (redigida, impressa e entregue por Sebastião Elói) circulava aos domingos, com quatro páginas, onde duas eram compostas só de propagandas.
PREFEITOS PAGAVAM CONTAS DA PREFEITURA... – “É mentira, Terta?!” Parece até a expressão de Pantaleão, personagem mentiroso de Chico Anísio (ver no Youtube). Em 1951, a Enciclopédia registrou arrecadação municipal de Cr$ 1.822.000,00 (um milhão e oitocentos e vinte dois mil cruzeiros). Mas, a despesa pública foi de Cr$ 2.389.000,00. Déficit, portanto, de Cr$ 567.000,00 (cruzeiro era a moeda da época). Nos anos subsequentes, 1952, 1953, 1954 e 1955, o déficit continuou. De três hipóteses, uma é verdadeira. Primeiro, o Estado pode ter ajudado. Segundo, a dívida passou para o próximo prefeito. Terceiro, o prefeito e amigos “bancaram” o déficit. Na verdade, as finanças públicas do Município eram de pequeno montante. Por outro lado, a história oral informa que três prefeitos de Patrocínio nada recebiam. Pelo contrário, emprestavam veículo e trator à Prefeitura, custeavam as viagens (não havia “diárias”), davam dinheiro aos funcionários públicos, e outras “coisitas”. Amir Amaral, Mário Alves do Nascimento e Enéas Ferreira Aguiar são os nomes. Por isso, se não “cobriram” o déficit, certamente contribuíram para a normalidade da Prefeitura. Daí, as três hipóteses conjugadas são a verdade.
POR FIM, É BOM SABER – Nos anos 50, Patrocínio possuía um hotel (Santa Luzia), sete pensões, um cinema (Rosário), sete bibliotecas (Graças a Deus!), Santa Casa com 41 leitos, duas tipografias (Gráfica Pinheiro (?) e Gazeta), nove médicos e 320 aparelhos telefônicos, que se comunicavam, por meio de uma telefonista, que ficava na central telefônica na Praça Santa Luzia (pista da rua Presidente Vargas). Não havia o serviço interurbano (não se falava com outra cidade por telefone). E a companhia telefônica era puramente patrocinense.
A FORÇA ELEITORAL – Nas eleições de 3 de outubro de 1955 (o dia de eleições era sempre esse), dos 8.177 eleitores votaram 4.572 para prefeito, vice-prefeito (nessa época, a eleição para vice-prefeito era separada da eleição do prefeito) e onze vereadores (UDN, PSD e PTB). Para governador e presidente da República também, inclusive a eleição de seus vices era separada. Dessa maneira, viveu uma feliz e maravilhosa geração que está (quase) de partida...
(Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)
Marina Amaral
Diretora Executiva e Editora da Agência Pública
Conhecimento. O seu valor é imensurável. Por isso, é importante tê-lo, por exemplo, sobre o que o Município foi para entender o que ele é. E até prever alternativas do que será. Para tanto, uma visão oficial de Patrocínio na década de 50 é indispensável para descobrir onde moravam/moram a tranquilidade e a felicidade. No passado ou no presente? Ou nos dois lugares? A “Enciclopédia dos Municípios Brasileiros”, editada em maio de 1959, pelo IBGE, revela parte da história, economia, finanças e da vida de Patrocínio. Milho, o carro chefe agrícola. A energia elétrica gerada de Patrocínio para Patrocínio. E olha lá! A riqueza mineral não explorada. Grande avião voando nos céus rangelianos! Temperatura regular e agradável. E mais coisas que colocam as atuais gerações estupefatas!
Foto da Av. Rui Barbosa na década de 1950. Foto: Wordpress.com
A LIDERANÇA DO MILHO – Em 1955, as culturas agrícolas no chão patrocinense eram de três produtos básicos: milho, arroz e feijão. Foram produzidos 92.300 sacos de 60kg de milho. E 33.638 sacos de feijão. Quase a mesma quantidade de arroz: 32.600 sacos de 60kg. O atual líder café teve apenas produzidos 8.600 arrobas (arroba equivale a 15 quilos), por meio de 30.400 pés. Em termos de espaço para o cultivo, o milho também liderou com 3.775 ha. Por outro lado, a tecnologia ajudou demais a produção leiteira. Passou de 14 milhões de litros em 1955 para 175 milhões em 2020.
MAIS ATIVIDADES ECONÔMICAS – Na pecuária, em 1955, havia 120.000 cabeças de bovinos, 45.000 porcos e 8.000 cavalos. Portanto, quantidade maior do que hoje: bovinos (109.000 cabeças), equinos (2.500 cabeças) e suínos (157.500 cabeças). Essa maior agora devido à Pif Paf. Já a indústria, somente empregava 433 cidadãos em 1955. Muito pouco, por sinal.
PATROCÍNIO PRODUZIA ENERGIA PARA VIZINHO – Não existia ainda a CEMIG na região. Nos anos 50, a luz era bastante fraca. À noite, o vagalume era concorrente em luminosidade. Havia quatro cachoeiras aproveitadas para pequenas usinas hidrelétricas, que geravam energia para Patrocínio, Parque Hotel de Serra Negra, São João da Serra Negra e Guimarânia. A usina dessa era na cachoeira de Chapadão de Ferro. A de Patrocínio no Rio Dourados. Enfim, as ruas da cidade eram iluminadas... pelo luar. E os namorados sempre agradeciam. E os “ladrões de galinha” (de galinha mesmo, para festivas galinhadas) também agradeciam.
ENCICLOPÉDIA REGISTROU RIQUEZAS NATURAIS – Nessa década, importantes reservas de minério de ferro (será?), nióbio (será extensão de Araxá?), pirocloro, pirita, apatita, diamante (?) e ouro (?). As jazidas estariam na serra em Salitre de Minas até o Chapadão de Ferro. Isso além das águas minerais sulfurosas (tipo Araxá), radioativas e magnesianas (a melhor do Brasil). O potencial hidrográfico patrocinense era formado por volumosas e límpidas águas dos rios Quebra Anzol, Salitre, Dourados, Santo Antônio, São José dos Folhados e o Espírito Santo, juntamente com a vulcânica (enorme) lagoa do Chapadão de Ferro. Hoje, tudo isso é miragem, ou desbotados retratos na parede. Exceto, o fosfato.
PATROCÍNIO TINHA AVIÃO E TREM! – A lendária Rede Mineira da Viação (RMV) transportava passageiros para Belo Horizonte, Catiara, Ibiá, Monte Carmelo, Três Ranchos/GO e outras localidades. No final da Av. Faria Pereira, um pouco além da ferrovia, era o campo de aviação. Ou aeroporto. Ou até “aeropasto” para os folclóricos. Nele pousava o histórico DC-3, com capacidade para 30 passageiros, duas hélices e necessidade de 700 metros de pista. A empresa era a Nacional, depois Real. Ocorriam voos para Araguari, Uberaba, Patos de Minas e BH. De segunda-feira à sexta-feira. O escritório da empresa se localizava na Praça Santa Luzia (pista da Rua Presidente Vargas), onde as passagens eram adquiridas.
AUTOMÓVEIS, SETE ÔNIBUS... E POEIRA – Em 1955, a Prefeitura registrou 126 automóveis (todos importados), 57 “camionetas”, 122 caminhões e 07 ônibus. Isso para enfrentar estradas com buracos e lama. Ônibus havia apenas para Patos de Minas, Paracatu, Carmo do Paranaíba, Uberaba e Monte Carmelo. Em 2020, já são 35.000 automóveis, 6.400 caminhonetes, 649 ônibus e 2.120 caminhões emplacados em Patrocínio. Quem vive, viveu (isso)!
MAIS FRIO, MENOS CALOR – A temperatura média máxima de Patrocínio não ultrapassava 33º. E a mínima, 6º, que ocorria, realmente, em junho ou julho. Chuvas eram em torno de 1.200mm por ano. Hoje, 1.400mm de pluviosidade média anual. Sem dúvida, o tempo era mais “disciplinado”. Verão era verão, inverno era inverno...
POPULAÇÃO DIMINUIU E PORQUÊ – Em 1950, a população de Patrocínio era de 34.061 pessoas. Maioria mulheres, quase 400 a mais do que homens. E população bem rural, trabalhadora, 75% (ou seja, 25.600 habitantes dos 34.000 no Município). Em 1955, cinco anos depois, Patrocínio contava com 26.613 pessoas. Pois, o distrito de Serra do Salitre emancipou-se levando consigo pouco mais de 7.000 habitantes (em 1953).
DISTÂNCIAS ENTRE BH E PATRÔ – Quando a viagem era pelo DC-3 da Nacional (ou Real), a distância aérea da capital era de 380km (linha reta é 338km). Pela antiga rodovia de chão, 486km. Pela “Maria Fumaça” (trem movido a vapor – combustível lenha), 596km. Portanto, 220km a mais do que a rota aérea da época. Hoje, pela rodovia pavimentada, são 416km, pelo Expresso União.
FONTES E AS MANCHETES DA PRÓXIMA EDIÇÃO – As informações básicas dos anos 50 foram coletadas pelo perene agente de Estatística, Afrânio Santos Pinto. A agência estatística situava-se no 1° andar da Prefeitura Municipal, no maravilhoso casarão da Praça da Matriz (hoje, Casa da Cultura). Nas próximas edições, o bem mais badalado de Patrocínio (Serra Negra), as melhores escolas da região, as finanças públicas do Município (deficitárias), a imprensa e o telefone na cidade e mais indicadores que só o IBGE tinha e tem. Tudo de 1950 a 1959.
(Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)