Movimento negro questiona romantização da Lei Áurea e cobra reparação por exclusão social que persiste desde 1888

Assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea pôs fim à escravidão no papel, mas não garantiu cidadania plena à população negra, que segue lutando por equidade no Brasil. Imagem: InfoEscola

Reportagem Exclusiva da Rede Hoje – 13 de Maio de 2025
Especial para o Dia da Abolição da Escravidão no Brasil

O dia 13 de maio de 1888 marca oficialmente o fim da escravidão no Brasil com a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel. Estima-se que mais de 700 mil pessoas escravizadas conquistaram a liberdade com a promulgação da Lei nº 3.353. No entanto, a abolição não veio acompanhada de políticas públicas que garantissem dignidade, moradia, educação ou reparação aos libertos, deixando feridas abertas que atravessam gerações.

Apesar de muitos enxergarem o ato como um gesto benevolente da monarquia, historiadores e o movimento negro defendem outra visão. Para eles, a abolição foi fruto da mobilização intensa e persistente de abolicionistas, jornalistas, escravizados, intelectuais negros e setores progressistas da sociedade. Um processo longo e desigual que enfrentou forte resistência das elites escravocratas.

“O treze de maio foi um marco histórico, no entanto, a romantização da hegemonia branca em torno de uma princesa e autoria dada à mesma, não reflete a realidade de uma luta constante. O dia seguinte ao treze de maio talvez seria o divisor de águas e ponto mais importante da reflexão acerca da abolição — o legado da grande dívida de reparação com a população negra. Ao contrário, a abolição veio precedida de uma série de leis que desprovia os escravizados de direitos básicos como saúde, moradia e educação”,
afirma Marlúcio Anselmo, ex-diretor do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) de Patrocínio, em depoimento exclusivo à Rede Hoje.

A lenta caminhada até 1888
Imagem de Guillermo Riera | Pixabay

A abolição foi resultado de uma série de leis graduais que visavam a extinção da escravidão. A pressão internacional, sobretudo britânica, levou à Lei Eusébio de Queirós (1850), que proibiu o tráfico negreiro. Em 1871, a Lei do Ventre Livre declarou livres os filhos de mulheres escravizadas. Em 1885, a Lei dos Sexagenários concedeu liberdade a escravizados com mais de 60 anos — embora com efeitos práticos limitados.

Durante a década de 1880, o movimento abolicionista cresceu com vigor. Luís Gama, André Rebouças e outros nomes negros foram fundamentais na luta contra a escravidão.

A abolição sem reparação

O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão. Mas a liberdade formal não veio acompanhada de inclusão social. Não houve distribuição de terras, não houve acesso à educação, nem políticas de reparação. O resultado foi a exclusão da população negra dos espaços de poder e das estruturas econômicas e sociais.

 Documentos históricos revelam o cotidiano da escravidão

A Rede Hoje realizou um levantamento inédito no Cartório do 2º Ofício de Cáceres, fundado em 1874, no Mato Grosso. Entre registros de nascimentos, casamentos e óbitos, destacam-se escrituras de compra e venda de pessoas escravizadas e cartas de alforria. Esses documentos expostos no hall principal do cartório revelam com detalhes a cruel institucionalização da escravidão.

Caso 1: Venda de escrava Luiza (Cáceres, 22/02/1875)


Registrado no Livro de Notas nº 02, fl. 38, trata-se da venda da escrava Luiza, menina “crioula” de três anos de idade, por 800 mil réis. A venda foi feita por José Dulce e Companhia a João Letie da Silva Freire, com total quitação registrada. A frieza do texto legal destaca a desumanização de crianças, tratadas como mercadoria legalizada.

 Caso 2: Alforria de Francelino (Villa Maria, 20/06/1874)


No Livro de Notas nº 01, n.º 01, consta a alforria de Francelino Pereira Leite, homem escravizado de 20 anos, dada por D. Maria Josefa de Jesus Leite, em 1867, mas registrada formalmente anos depois. A carta de alforria destaca a “livre e espontânea vontade” da senhora e a ausência de pagamento pela liberdade — um caso raro de alforria completa.

O legado da exclusão

Mais de 130 anos depois da Lei Áurea, os efeitos da escravidão ainda se refletem na estrutura social. A população negra continua sendo a mais afetada pela pobreza, pela violência, pelo desemprego e pelo racismo institucional. A ausência de políticas de reparação tornou a abolição incompleta e injusta.

Um compromisso com a memória

A memória de Luiza, Francelino e de milhões de brasileiros escravizados não pode ser esquecida. O 13 de Maio é uma data para lembrar e agir. Preservar documentos, ouvir vozes como a de Marlúcio Anselmo, e promover a reflexão sobre o passado é parte do compromisso que o jornalismo tem com a verdade, a justiça e a reparação histórica.


Esta reportagem é uma produção exclusiva da Rede Hoje, especialmente publicada neste 13 de maio de 2025.


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