Apesar da força econômica da região, milhares de pessoas vivem em situação de vulnerabilidade, e propostas buscam ampliar o uso do Fundo de Erradicação da Miséria


Representantes de 20 municípios participaram do encontro em Uberlândia, promovido pela ALMG – Foto: Ramon Bitencourt


Da Redação da Rede Hoje

O Triângulo Mineiro, uma das regiões mais ricas do Estado, voltou a ser palco de discussões sobre desigualdade social. Em Uberlândia, nesta sexta-feira (26), aconteceu o Encontro Regional do Fórum Técnico Minas Sem Miséria, promovido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Apesar de concentrar 17% do PIB mineiro, a região ainda convive com altos índices de pobreza.

NÚMEROS ALARMANTES

Segundo dados do Cadastro Único de 2022, Uberlândia tem 46 mil pessoas em extrema pobreza, enquanto Uberaba contabiliza 28 mil. Nessas duas cidades, outras 37 mil vivem com até R$ 178 por mês. Esses números contrastam com a pujança econômica da região, evidenciando como riqueza e miséria caminham lado a lado.

PLANO MINEIRO DE COMBATE À MISÉRIA

O encontro em Uberlândia reuniu representantes de 20 municípios para colher contribuições para o Plano Mineiro de Combate à Miséria. A iniciativa é prevista pela Lei 19.990, de 2011, que também criou o Fundo de Erradicação da Miséria (FEM). Esse fundo deve financiar programas voltados ao combate da pobreza, mas seu uso tem gerado questionamentos.

A deputada Bella Gonçalves (Psol), que coordenou os trabalhos, chamou atenção para a destinação do FEM. Parte do recurso estaria sendo usado em áreas como transporte escolar, o que, segundo ela, não atua diretamente na erradicação da miséria. Para a parlamentar, é necessário redirecionar os valores para projetos que cheguem às famílias em situação de vulnerabilidade.

PARTICIPAÇÃO POPULAR

Além das etapas presenciais, a população pode contribuir com propostas pelo Portal da Assembleia, até 8 de outubro. A ideia é garantir que cidadãos que não puderam participar do evento presencial tenham voz na formulação das políticas públicas. Outros encontros ainda serão realizados em Araçuaí e Betim, além dos já concluídos em Juiz de Fora e Montes Claros.

MISÉRIA MULTIDIMENSIONAL

Durante os debates, reforçou-se a ideia de que a miséria vai além da fome. A falta de acesso à saúde, saneamento básico, educação, trabalho e moradia também compõem o quadro de pobreza. De acordo com a ALMG, Minas Gerais tem 3,6 milhões de pessoas vivendo com até R$ 109 por mês e cerca de 5 milhões enfrentando insegurança alimentar.

IMPACTO NA POPULAÇÃO VULNERÁVEL

A deputada Bella Gonçalves lembrou que mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência e, em grande maioria, a população negra, são os mais afetados pela miséria. Segundo dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, 2,3 milhões de mineiros vivem em situação de pobreza extrema, sendo que 826 mil enfrentam más condições de moradia, educação e trabalho.

A questão da moradia foi outro ponto central da etapa regional. O professor Fernando Garrefa, da Universidade Federal de Uberlândia, destacou que a cidade tem déficit habitacional estimado em 49 mil moradias. Ele lembrou que a falta de estoque de terras públicas agrava o problema, fortalecendo a especulação imobiliária e dificultando o acesso à habitação digna.

COZINHAS SOLIDÁRIAS

As cozinhas solidárias surgidas durante a pandemia também foram citadas como exemplo de política social eficiente. Em Uberlândia, sete cozinhas atendem cerca de 4 mil pessoas por dia. Na Ocupação Fidel Castro, são distribuídas 3 mil marmitas diariamente. Lideranças locais pediram que o FEM inclua esse tipo de iniciativa no financiamento oficial.

PROJETOS SOCIAIS PARALELOS
 Foto: Ramon Bitencourt



Segundo Joana da Conceição, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), as cozinhas não oferecem apenas alimentação, mas também projetos educativos. A expectativa é que o FEM possa apoiar diretamente essas ações, ampliando seu alcance e dando mais estabilidade às iniciativas comunitárias.

À tarde, quase 200 participantes se dividiram em grupos para discutir propostas em cinco eixos: segurança alimentar, trabalho e educação, assistência social e saúde, moradia e governança do FEM. Ao final, 25 propostas foram priorizadas, com a eleição de seis representantes que participarão da etapa estadual no próximo ano.

EDUCAÇÃO DO CAMPO

No eixo da educação, uma das propostas priorizadas foi destinar pelo menos 5% dos recursos do FEM para escolas do campo, quilombolas e indígenas. A medida busca garantir infraestrutura adequada para comunidades tradicionais que sofrem com a falta de investimento público.

No campo da assistência social, foi destacada a criação de um serviço de proteção a famílias atípicas dentro do Sistema Único de Assistência Social (Suas). A ideia é incluir esse serviço na tipificação nacional de programas socioassistenciais, com cofinanciamento estadual, ampliando a rede de proteção social.

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Entre as propostas do eixo moradia, ganhou força a garantia de segurança jurídica para populações em situação precária, como acampados e ribeirinhos. Também se discutiu a necessidade de instrumentos legais que assegurem a posse da terra, reduzindo conflitos fundiários e ampliando a proteção de comunidades vulneráveis.

Para ampliar os recursos do FEM, os participantes sugeriram a criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) da mineração e outra para o uso de agrotóxicos. A proposta busca garantir maior arrecadação e destinação exclusiva ao combate à miséria, com mais transparência e fiscalização no uso dos valores.

ETAPA ESTADUAL

As propostas agora seguem para a etapa estadual do Fórum Minas Sem Miséria, prevista para o início do próximo ano. Lá, representantes de todas as regiões mineiras vão consolidar e priorizar ações a serem encaminhadas ao Legislativo. A expectativa é que o plano estadual se torne um instrumento mais efetivo de enfrentamento à pobreza, respondendo às necessidades reais das populações mais vulneráveis.


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