Ato em BH percorreu praças no Centro; protestos também aconteceram em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e outras 16 capitais
Manifestantes ocupam a Praça Raul Soares no início da manifestação em Belo Horizonte — Foto: Fabiano Salim
Da Redação da Rede Hoje
Belo Horizonte foi palco de uma das maiores mobilizações populares recentes contra o que os organizadores chamam de retrocessos institucionais do Congresso Nacional. Neste domingo (21), cerca de 50 mil pessoas, de acordo com estimativas dos movimentos, ocuparam ruas e praças do Centro da cidade em um ato que reuniu música, discursos políticos e uma pauta clara: o repúdio à PEC da Blindagem e ao projeto de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
O protesto começou pela manhã na Praça Raul Soares, tradicional ponto de concentração de manifestações, e seguiu pela Praça Sete, o coração da capital mineira, até a Praça da Estação, onde um grande palco improvisado recebeu apresentações culturais e novas falas de lideranças políticas. O trânsito nas avenidas Amazonas e Andradas foi interrompido em razão do volume de participantes, e a Polícia Militar acompanhou todo o trajeto, informando, porém, que não faz estimativas oficiais de público.
A manifestação foi organizada pelo movimento “BH nas Ruas” e contou com o apoio de centrais sindicais, movimentos estudantis e organizações populares. Para além da pauta nacional, o ato destacou também críticas diretas ao governador Romeu Zema (Novo). Em diversos momentos, o público entoou gritos de “Fora Zema”, responsabilizando o chefe do Executivo mineiro por adotar políticas de austeridade consideradas prejudiciais a áreas como saúde e educação, além de manter alinhamento político com setores da extrema direita.
Entre os pontos altos do protesto em Belo Horizonte, esteve a presença da cantora Fernanda Takai, vocalista da banda Pato Fu, que se apresentou em um dos três trios elétricos usados pelos organizadores. Antes de cantar, Takai declarou que a população precisa estar atenta ao que acontece em Brasília, afirmando que “é sempre pior do que a gente imagina” quando se trata de projetos que limitam a democracia. A participação da artista emocionou o público e reforçou o caráter cultural e político do encontro.
Em outro momento marcante, um varal de fotos com os rostos e nomes dos deputados federais mineiros que votaram a favor da PEC foi exposto na Praça Sete. Os parlamentares foram chamados de “traidores” em cartazes e falas. O ato chamou a atenção por não poupar representantes de diferentes partidos: nomes como Nikolas Ferreira (PL) e Odair Cunha (PT) foram lembrados como símbolos de uma postura que, para os manifestantes, representa um grave risco à democracia.
As críticas, porém, não se restringiram ao Legislativo federal. Romeu Zema foi novamente alvo de discursos inflamados de lideranças locais. Sindicalistas e professores acusaram o governador de negligenciar investimentos em políticas públicas e de perseguir categorias profissionais que buscam reajustes salariais. Houve quem afirmasse que Zema tenta blindar-se de cobranças populares da mesma forma que deputados e senadores buscam se blindar da Justiça.
SÃO PAULOAvenida Paulista tomada por bandeiras, cartazes e faixas contra a PEC da Blindagem — Foto: Lucas Porto
Além de Belo Horizonte, a pauta contra a PEC e a anistia mobilizou multidões em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e outras capitais. Na Avenida Paulista, em São Paulo, a concentração começou antes do horário marcado, às 13h, e rapidamente se espalhou por vários quarteirões, chegando até a região da Consolação. Nem a chuva que caiu no meio da tarde afastou os participantes, que permaneceram até a noite com bandeiras, cartazes e faixas colorindo a mais famosa avenida da capital.
Em discursos na Paulista, lideranças como Guilherme Boulos (PSOL) e Gilmar Mauro, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), reforçaram que o ato representa o início de uma “primavera popular”. Segundo eles, a esquerda brasileira volta a ocupar as ruas em grande escala, enviando um recado ao Congresso Nacional de que o povo não aceitará medidas que fragilizem o combate à corrupção nem a anistia aos responsáveis pela tentativa de golpe de 2023.
O tom também foi de recado político: deputados e senadores foram citados nominalmente pelos manifestantes, com faixas pedindo que o Senado barre a tramitação da PEC da Blindagem. “Hoje é um dia histórico. Mostramos que existem dois projetos em disputa: o da blindagem de políticos e o da defesa do povo. Nós sabemos qual queremos”, disse Boulos em seu discurso.
RIO DE JANEIROAto em Copacabana contou com apresentações de Caetano, Gil, Djavan e Chico Buarque — Foto: Divulgação
No Rio de Janeiro, a Praia de Copacabana foi tomada por manifestantes a partir do Posto 5. A manifestação ficou marcada pela presença de artistas consagrados que se engajaram contra a PEC e a anistia. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, Chico Buarque, Lenine, Ivan Lins e Geraldo Azevedo subiram ao palco e relembraram momentos de luta da história brasileira. Gil declarou que “o país já passou por provações semelhantes, mas sempre buscou resistir com cultura e com povo nas ruas”.
As apresentações no Rio foram vistas como um marco da retomada da participação de artistas em protestos políticos de grande porte. Para muitos, a mobilização lembrou a Passeata dos Cem Mil, de 1968, contra a ditadura militar. “Estamos aqui para mostrar que o Brasil não aceita impunidade e que democracia se defende nas ruas”, disse Chico Buarque, sendo aplaudido pela multidão que lotou a orla carioca.
SALVADOR
Já em Salvador, Daniela Mercury e o ator Wagner Moura se destacaram no carro de som instalado no Morro do Cristo. O discurso de Moura foi contundente ao relembrar que a Lei da Anistia de 1979 permitiu o perdão de torturadores e abriu caminho para que setores autoritários continuassem influenciando a política brasileira. Para ele, repetir esse erro agora, anistiando golpistas de 2023, seria “um escárnio com a democracia”.
Daniela Mercury, por sua vez, defendeu que a mobilização popular deve ser constante. “Não podemos ficar apenas indignados em casa, precisamos estar na rua e mostrar que o Brasil não aceita retrocessos”, disse a artista baiana, emocionada. O público respondeu em coro, gritando “sem anistia” e aplaudindo a cantora que já participou de outras manifestações democráticas no passado.
OUTRAS CAPITAIS
Ao todo, segundo levantamento dos movimentos, pelo menos 19 capitais registraram atos no domingo. Em cada uma delas, as características locais se misturaram a um sentimento comum: a rejeição à tentativa de blindagem dos parlamentares e a indignação com a possibilidade de anistiar envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Em cidades menores, grupos também organizaram caminhadas e vigílias, confirmando o alcance nacional da pauta.
A Proposta de Emenda Constitucional da Blindagem, aprovada em primeira votação na Câmara, prevê restrições à abertura de processos criminais contra deputados e senadores, exigindo aval prévio das Casas Legislativas. Para críticos, a medida é um retrocesso que cria um sistema de privilégios capaz de impedir a responsabilização de parlamentares por crimes comuns.
Paralelamente, um projeto de lei tenta anistiar ou reduzir penas de condenados pelos atos golpistas. Muitos dos discursos lembraram que a tentativa de golpe de 8 de janeiro atacou diretamente os pilares da democracia, com a invasão do Congresso Nacional, do STF e do Palácio do Planalto. A anistia, segundo os manifestantes, representaria um “incentivo à reincidência”.
No Senado, onde a proposta deve ser analisada em breve, alguns parlamentares já se manifestaram contra. O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça, anunciou que seu parecer será pela rejeição. Ele argumenta que a proposta “cria um sistema de impunidade incompatível com os princípios democráticos e com a igualdade entre cidadãos”.
Enquanto isso, organizadores dos protestos afirmaram que as ruas voltarão a ser ocupadas se necessário. O ato de domingo, segundo eles, mostrou que a população está disposta a resistir e que o Congresso não poderá ignorar a força das manifestações. “Não é apenas um recado político, é um recado social e moral. A democracia brasileira não pode ser negociada”, afirmou um dos líderes do movimento em Belo Horizonte.
Em meio ao calor das falas, os gritos contra Romeu Zema se repetiam, sinalizando que, em Minas, a mobilização também foi um espaço para críticas à condução do governo estadual. A relação de Zema com pautas de austeridade e sua aproximação com grupos bolsonaristas fizeram dele um dos alvos centrais dos manifestantes.
Com informações de O Tempo (BH) e Brasil de Fato (restante do Brasil)