Breve meu novo livro da série "O Som da Memória", com crônicas sobre a minha geração e Patrocínio dos anos 1970 até 2000, estará nas bancas. Este, já está em fase de correção e traz crônicas do primeiro, do segundo livro e muitas inéditas. A partir de hoje, semanalmente, você, meu caro leitor, ver essas crônicas aqui na coluna. 

Conto nesta, como a imaginação nos transporta para qualquer hora e lugar, especialmente do passado.

Aí vai.



Chita, Boy, Tarzan e Jane ( “Tarzan , o Homem Macaco”, de 1932, e “Tarzan e sua Companheira”, de 1934, clássicos protagonizados por Johnny Weissmuller e Maureen O’Sullivan), personagens do livro de Edgar Rice Burroughs em filme década de 1940, mas na primeira parte dos anos 1960, ainda eram exibidos em Patrocínio, principalmente no Cine Rosário. Foto: divulgação

A
lgumas pessoas dizem que quanto mais velho você fica, pior é a memória. Sinto muito, mas discordo. Não sei bem por que, mas ainda recordo coisas incríveis, que nem em sonho imaginaria que pudesse lembrar. O exercício mental que faço semanalmente para escrever “desenterra” as lembranças de forma tão natural que assusta.

Duas lembranças que nada tem a ver uma com a outra, porém, o resultado final é o mesmo: a imaginação.

Eu já quis ter uma cabana de capim. Isso começou ao ver filmes do Tarzan, na infância. Histórias como as de Robson Crusoé ou do “Naufrago” — mais recente, filme estrelado por Tom Hanks e lançado em 2000 —, me fascinam, tanto hoje quanto na infância. Aqueles hotéis feitos em cabanas suspensas, no meio da selva, aonde só se chega de barco ou helicóptero, me atraem tanto quanto um final de semana na praia.

Ter uma infância livre na Serra do Cruzeiro e nas imediações dos córregos Tabocas, Feio e Dourados, e ali encontrar toda a estrutura para realizar fantasias — que remetiam ao Tarzan — como: passear de cipó, nadar num poço de água corrente e esconder da chuva embaixo de árvores enormes, que agora sei que isso é perigoso, foram fatores que fizeram ter esse tipo de preferência e deixar voar na imaginação.

E nada aguça mais a imaginação que um livro.


O primeiro livro com que tive contato, e de que tenho lembrança, nem era um livro, era uma espécie de apostila. “A história dos três porquinhos”.
A professora Rosa Gabriel entregou a primeira página, com três frases:

“Era uma vez... Era uma vez... Três porquinhos”.

Tá, e daí?

Daí, que aquilo foi como uma droga. Tive contato com a primeira e quis logo a segunda dose (página). E outra, mais outra mais, até chegar à ultima, quando o lobo entra literalmente pelo cano, na chaminé, cai no caldeirão de água fervente e sai em disparada.

E mais, além daquelas páginas de um colorido exuberante, para aquele garoto do primeiro ano primário, ainda havia os cartazes que a professora exibia e deixava pendurados na penúltima sala, do lado esquerdo do pátio da escola João Beraldo, onde eu estudava.

Além dessa, outra história: do “Epaminondas”, que era um tipo meio idiota e carregava manteiga na cabeça. Eram interessantes, além de engraçadas. 

Tinha ainda o “Saci Pererê” e outras histórias, como o “Jeca Tatu” de Monteiro Lobato, cujo personagem – incapacitado pelos vermes, de pés descalços e bichos de pé às dezenas. A gente nem precisava imaginar, porque estava “careca” de ver o tipo na nossa região. Patrocínio era pouco mais que uma comunidade rural nesta época, primeira metade dos anos 1960. Claro, estas histórias infantis vinham carregadas de preconceitos que hoje já não se aceitam, mas na época não se pensava assim e nós, do interior, principalmente crianças, não tínhamos a menor noção disso.

Há alguns anos, numa feliz iniciativa da então secretária municipal de Educação, Priscila Magalhães, e da superintendente regional de Ensino, Edmar Oliveira Ferreira, “Dininha”, foi criado um museu com essas peças de ensino fundamental dos anos 50 e 60. Lá, pude rever os cartazes — da história dos três porquinhos — que me deixavam fascinado na infância, além de carteiras e outros instrumentos utilizados na época.

Li certa vez que cerca de 40% da felicidade depende de nós próprios. Desde a infância ao amadurecimento, podemos aprender a ser felizes desenvolvendo uma série de aptidões. Concordo e acrescento: uma criança feliz, tem tudo para ser um adulto realizado, pois, mesmo que não consiga tudo o que quer, saberá valorizar o que é e o que tem. E voar nas asas da imaginação pode ser uma dessas dádivas.

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