Otaviano Helene, professor sênior, Instituto de Física


Otaviano Augusto Helene – Foto Reprodução /You Tube


P
or causa de seu caráter estratégico e de sua importância na construção do futuro de um país, o ensino é majoritariamente ou quase exclusivamente público em todos os países. Mas no Brasil não é bem assim; na média de todos os níveis educacionais, nosso país está entre os 20% mais privatizados.

Quando examinamos a educação superior em particular, nossa situação se mostra ainda mais extremada: de cada quatro matrículas, três são em instituições privadas, proporção que nos coloca entre os seis países mais privatizados do mundo em um conjunto de cerca de 160 países. É necessário observar que esta situação não está apenas muito distante da média mundial, mas também do que se observa nos países de economia liberal. Por exemplo, nos EUA, a situação é a inversa da nossa: lá, de cada quatro matrículas na educação superior, três são em instituições públicas.

Entre os países com taxas de privatização na educação superior abaixo dos 5% estão Cuba, Dinamarca, Irlanda, Luxemburgo, Mauritânia, Síria, Tajiquistão e Uzbequistão, mostrando que a forte presença do setor público é uma característica encontrada em países política, cultural, geográfica e economicamente bastante diversos.

Países europeus apresentam taxas de privatização do ensino superior tipicamente abaixo ou muito abaixo daquela dos EUA. Na América do Sul, com exceção do Chile, todos os demais países têm taxas de privatização menores do que a brasileira, sendo o Uruguai, com cerca de 15%, o menos privatizado, segundo dados divulgados pela Unesco.

São Paulo e os demais estados

A privatização na educação superior não é uniforme nos diversos estados brasileiros, tendo São Paulo taxas de privatização bem superior às dos demais estados, qualquer que seja o critério usado para defini-la. Adotando como indicador de privatização a distribuição dos estudantes pelas diferentes instituições, vemos que em São Paulo apenas 15% das matrículas em cursos presenciais estão em instituições públicas, contra 25% na média dos demais estados.

Quando comparamos a oferta de vagas de ingresso na educação superior pública com a quantidade de concluintes do ensino médio, novamente São Paulo destoa, e muito, dos demais estados. Em São Paulo há apenas uma vaga de ingresso em universidade pública para mais do que dez concluintes do ensino médio; nos demais estados essa relação é de uma vaga para cada 3,7 concluintes. Se considerarmos todos os tipos de instituições e de cursos pós-médio, em São Paulo há 5,2 formados para cada vaga contra 3,0 nos demais estados.

É importante observar que essa alta relação entre o número de formados no ensino médio e o número de vagas de ingresso disponíveis no setor público não se deve ao fato de que em São Paulo a taxa de conclusão do ensino médio seria muito mais alta do que nos demais estados, pois a exclusão dos estudantes é muito grande em todo o país. Atualmente, cerca de um terço dos jovens abandona a escola antes de completar o ensino médio, tanto em São Paulo como na média nacional. A diferença da taxa de conclusão em São Paulo e nos demais estados é muito inferior às enormes diferenças entre formados no ensino médio e vagas públicas disponíveis.

Se adotarmos como indicador da privatização as populações dos estados, novamente São Paulo é recordista: por aqui, temos uma matrícula em universidade pública para cada conjunto de mais do que 210 habitantes, relação duas vezes maior do que se observa nos demais estados. Se considerarmos todos os tipos de cursos superiores – faculdades, centros universitários, institutos federais e cursos de curta duração (como os de formação de tecnólogos) – a relação seria de quase 150 habitantes por matrícula em São Paulo em comparação com 93 nos demais estados.

Conclusão

A educação brasileira sempre foi muito ruim, mesmo quando comparada com os países da América do Sul. No quesito alfabetização de adultos (25 anos ou mais), apenas a Guiana apresenta uma taxa inferior à nossa. Nossos indicadores de inclusão na educação superior, incluindo as matrículas nas instituições privadas, estão muito aquém daqueles da Argentina, Chile e Uruguai, colocando-nos no grupo de países com menores taxas de matrículas. Em raríssimos países a privatização atinge a proporção vista no Brasil e talvez em nenhum país ela seja tão alta como no estado de São Paulo.

O fato de São Paulo ter uma taxa de privatização do ensino superior bem maior do que os demais estados mostra que o argumento de que o setor privado atua em complementação ao setor público, dada a insuficiência de recursos deste último, não condiz com o que se observa. Caso isso fosse correto, a privatização seria maior nos demais estados, não naquele com maior renda e geração de impostos per capita. O fato parece ser mais condizente com a hipótese de que onde a população tem maior renda, o estado se ausenta para abrir espaço para o setor privado.

Essa situação paulista e também brasileira é um dos frutos da privatização e do subinvestimento em educação pública no Brasil e no estado de São Paulo e um projeto político, social e ideológico. Ela não é apenas resultado de ações de um ou outro governo, mas é parte de um projeto de longo prazo, construído ao longo de décadas.

Educação é fundamental para a emancipação das pessoas e para o entendimento do mundo, para o crescimento econômico e o desenvolvimento social e cultural de um país, para o enfrentamento das desigualdades econômicas entre pessoas e regiões e para a garantia da soberania nacional. Por essas razões, entre outras também importantes, a educação é basicamente ou quase exclusivamente pública na maioria dos países, e não uma mercadoria cujo acesso dependa do poder aquisitivo e da motivação das pessoas.
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