Neste Natal, levantei-me cedo como não o fazia há anos. Fiquei imaginando o que fazer na manhã que se percebia ia ser comprida. Resolvi dar uma volta no bairro para ver as crianças alegres e felizes com seus brinquedos. Fiquei desapontado. Não havia crianças nas ruas curtindo os tão esperados brinquedos, ou apenas os exibindo para coleguinhas. Estiquei as pernas até a pracinha do bairro onde imaginava que a criançada poderia estar concentrada. Nenhuma criança. Peguei o carro, fui a bairros mais distantes e não havia crianças nas ruas. Será que Papai Noel havia esquecido das crianças de nossa cidade? Não podia ser. O brinquedo de Natal é o mais esperado pelas crianças e Papai Noel não iria fazer uma descompostura dessas para a cidade inteira.
Procurei me convencer de que eu havia saído cedo demais e que crianças deste século XXI não têm o hábito de levantar cedo. Lá pelas onze horas, saí novamente na esperança de encontrar a algazarra das crianças, cada uma exibindo seus brinquedos, pegando o brinquedo uma das outras para brincar com o presente dos colegas nem que seja só um pouquinho. Nada encontrei.
Lembrei-me de ir até o nosso famoso Fundão, no fundo da Igreja Matriz, onde passei grande parte de minha vida. Ali, na rua Furtado de Menezes, nos velhos tempos, a meninada concentrava com seus brinquedos no dia de Natal, meninada das casas populares ali existentes e das ruas vizinhas. Hoje, uma criança aqui e ali buscando ver e achar a quem mostrar seu brinquedo. Eram, naquela época, brinquedos simples como convinham ao bairro: algumas bicicletinhas, velocípedes( hoje já mudaram de nome- velotrol),bolas, peões, cornetinhas e muitos carrinhos . O importante é que fizessem barulho, que proporcionasse algazarra à meninada de todas idades. Muitos destes brinquedos seriam hoje considerados impróprios para a data, mas de grande valia, naquela época, porque presente era só no Natal.
Mudou o Natal ou mudaram as crianças? Tempos e tempos atrás, quase não se distribuíam presentes. Criança não ganhava presente de aniversário. Não se tinha o hábito de comemorar aniversários e o presente vinha mesmo era só no Natal. Hoje, banalizou-se o ato de presentear, as oportunidades são muitas e não se vai a uma festa de aniversário sem presentes, não importa se de criança ou de adulto. Ao chegar o Natal, a criança já recebeu diversos presentes durante o ano e o presente de Natal é apenas mais um, ou, talvez, apenas o último do ano.
Outro aspecto que pouco se percebe: a população diminuiu muito. Antes as famílias tinham três, quatro filhos. Hoje, a taxa de natalidade em nossa cidade é de um ponto seis. Crianças já não tem mais irmãos. Um dia, no Colégio, um aluno me disse: “professor eu não tenho tios e nem primos de primeiro grau. Meus pais são filhos únicos.” Mundo estranho. Mundo, mundo, vasto mundo, nos disse o poeta Drummond.
Mas o que mudou mesmo é que as crianças já não brincam mais nas ruas. Em outros tempos, as ruas ficavam cheias à tarde, toda tarde, e mesmo à noite, para as brincadeiras de grupo: pique-pega, pique-esconde, salva-latinha, pular corda, passar anel(para as meninas), jogar peão, malha e o brinquedo que não faltava – bolinha de gude. Exercitava-se a convivência social, mesmo que, de vez em quando, se formassem grupos rivais.
As praças de nossa cidade, tão bonitas, tão convidativas, antes cheias de crianças com seus pais, principalmente, aos domingos, hoje não recebem crianças. Os brinquedos são eletrônicos, estão na tela do computador, do celular. Brincam sozinhas, tanto as crianças quanto os adolescentes, sem partilhar com amigos ao seu lado. E lá se vão formando pessoas individualistas, sem a capacidade de convivência de social, incapazes de reconhecer o espaço do outro, ou o mundo além de si mesmas.
Não há lugar para saudosismos. Tudo muda rapidamente, cada dia criam-se coisas novas, a tecnologia evolui constantemente e não há espaço para reter e se lembrar do passado. Diariamente, invenções recentes são consideradas ultrapassadas. Não há mais na memória humana espaço para o passado. As coisas deixam de existir, simplesmente desaparecem. Já dizia o velho poeta Camões no idos de um mil e quinhentos: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/ todo ser é composto de mudança”.