IVAN BATISTA DA SILVA*

Setembro de 1969: Os 13 presos políticos trocados pelo embaixador americano no Brasil, Charles Elbrick, sequestrado por militantes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e da Ação Libertadora Nacional (ALN). Os fatos são narrados no livro "O que é isso, companheiro", de Fernando Gabeira, um dos envolvidos na trama, que acabou virando filme, em 1997, sob a direção de Bruno Barreto e do livro "Memórias do Esquecimento" de Flávio Tavares (último agachado) tambem envolvido. 


O assunto parece fora de contexto, mas vira-e-mexe volta ainda que de forma velada. Os filmes sobre Lamarca e o mais recente sobre Marighela voltam a um tempo cujas marcas não se cicatrizam.

Não há duvidas de que a partir do início da década de sessenta a esquerda se estruturava e uma visão socialista começava a permear toda a sociedade. Fortalecia-se nas ligas camponesas, nas uniões estudantis, nas Universidades, nos movimentos religiosos, nas forças armadas, principalmente no Marinha e Exército. A vitória de Cuba contra Fulgêncio Batista, o comunismo instalado na Ilha, a luta e morte de Che Guevara embalavam o sonho da juventude e procuravam fincar o socialismo na América Latina.

Jânio renunciou e jogou o pais na fogueira. Veio o golpe cívico-militar de 64. A direita apoiou o golpe esperando assumir o poder, mas este ficou com os militares. A ideia era que, dentro de dois anos, devolveriam o poder aos civis. Mas veio o golpe dentro do golpe. Os militares fincaram o pé, deram uma banana para os civis, cancelaram as eleições de 66 e decidiram ficar por mais de vinte anos no poder.

Logo após o golpe em 64, iniciou-se a caça às bruxas. Cassaram inúmeros deputados, expulsaram das forças armadas muitos militares, enfim, expurgaram as repartições públicas e militares. Muitos se refugiaram Uruguai e, liderados por Brizola, tentaram rearticular a esquerda para retomada do poder. A esquerda tentava se articular e muitos grupos vão surgindo, a partir de 65 e, principalmente, a partir de 68. No Rio e Belo Horizonte, os secundaristas, estudantes do Ensino Médio, em uma clara manifestação favorável a uma revolução socialista, mergulharam em reuniões e mais reuniões e uma doutrinação constante. Muitos dos chamados terroristas saíram dos colégios e principalmente das Universidades. Em Belo Horizonte saíram do Colégio Central.

A esquerda, não podendo atuar abertamente, partiu para formação de grupos anônimos, chamados de terroristas, que julgavam tomar o poder através da guerrilha rural e urbana.

Após o golpe, Brizola, do Uruguai tentou rearticular a esquerda, certo de que o caminho para tomar o poder era a guerrilha rural. Montou um grupo para atuar no norte do Paraná que foi facilmente desarticulado. Tentou montar um grupo no Mato Grosso e, em 1967, para surpresa de seu grupo, desistiu da guerrilha e mandou vender um barco de doze toneladas que já navegava nas águas do Tocantins.

Carlos Lamarca, em foto tirada em 1969 em Osasco (SP),  durante treinamento 

Lamarca, capitão do exército, desertor, dedicou-se à guerrilha urbana até ser morto na Bahia em 1972. Marighela, da mesma forma, um comunista veterano, dissidente do PCB, dedicou-se à guerrilha urbana no PCdoB 
Houve divergência nas esquerdas do caminho a tomar. O PCB alinhado à União Soviética, não era favorável à luta armada. Preferiam a movimentação social, a movimentação das massas como houve, posteriormente, nas "Diretas Já’. O PC do B, alinhado e treinado em Cuba ,preferia a guerrilha rural. E o PCBR e ALN, VPR e outros grupos ,alinhados e treinados na China criaram a guerrilha urbana. O PCB alertava aos outros grupos que, não havia condições para a luta armada e que eles seriam vencidos , pois não teriam como confrontar com os militares.

Defendendo, no entanto, a teoria do foquismo, estes grupos acreditavam que, estabelecido um grupo de guerrilha, este teria apoio e adesão da população e se expandiria na região inteira, o que realmente não aconteceu.
Mas por que a guerrilha não deu certo? Houve vários fatores que a transformaram em uma guerra perdida como diz Alfredo Sirkis. Em primeiro lugar, envolveu um número muito pequeno da população, embora tenha havido diversos grupos.

Em segundo lugar, a teoria do foquismo não funcionou. Segundo esta teoria, criado um grupo de guerrilha em uma região esta ia se expandindo com o apoio e adesão da população. Não tiveram o apoio que esperavam da população na guerrilha rural e principalmente na guerrilha urbana voltada para sequestro, para assaltos a Bancos, e a outras instituições. Na guerrilha do Araguaia, onde os guerrilheiros permaneceram uns dois anos até serem descobertos, conquistaram a simpatia e apoio da população com a prestação de serviços. Havia estudantes de medicina qque faziam partos, distribuíam remédios para febre, gripe; professores que alfabetizavam; guerrilheiros que ajudavam pessoas nos pequenos serviços nos sítios. Mas, na terceira expedição do exército, os militares prendiam, torturavam simpatizantes e quem ajudava os guerrilheiros. Com isto, o apoio aos guerrilheiros desapareceu e, em alguns casos, os nativos os denunciavam ao exército.

Outro fator da derrota da luta armada foi que os que aderiam à luta armada era, de modo geral, pessoas muito novas. Fernando Pimentel tinha apenas dezenove anos quando adquiriu sua manqueira ao participar de uma tentativa frustrada de sequestro do cônsul norte-americano em Porto Alegre. Flávio Sirkys, entrou para a luta com dezessete anos e tinha vinte quando participou do sequestro do cônsul suíço que durou quarenta e dois dias, liderado por Lamarca, codinome Carlos. A ex-presidente Dilma era estudante do ensino médio quando entrou para a luta e foi presa com vinte e dois anos. Bete Mendes foi presa com vinte e um anos. Na guerrilha do Araguaia, de sessenta e poucos guerrilheiros, catorze tinham entre vinte e dois e vinte e cinco anos. Apenas um tinha mais de sessenta anos e três, mais de quarenta anos. A esquerda armada era composta de jovens da classe média.

A guerrilha da Serra do Caparaó ilustra muito outro fator de insucesso. Eram pessoas urbanas, vindos de Porto Alegre, que não sabiam viver no mato. Branquelos, logicamente eram logo notados pelos roceiros, tostados pelo sol. Não sabiam enfrentar a umidade da mata nem o frio intenso nas noites. Ficaram sem alimentos, começaram a matar animais e foram logo denunciados e presos.

Mas por que os jovens aderiram à luta armada? Porque o socialismo e comunismo foi a grande utopia do século. Embalou o sonho de uma grande parte da juventude até a dissolução da União Soviética. Havia utopias naquela época.


IVAN BATISTA DA SILVA* é professor e diretor do Colégio Atenas em Patrocínio, MG, e colaborador do portal Rede Hoje

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