Fotos: Pixabay | Fotomontagem: Rede Hoje



Marina Amaral
Diretora Executiva e Editora da Agência Pública


Lendo os comentários sobre uma reportagem da Folha, falando das dificuldades enfrentadas pelos profissionais de imprensa na Ucrânia, percebi uma indignação em comum: como podem os jornalistas falar de si mesmos em um momento em que os ucranianos lutam pela vida?

Compreendo a revolta dos leitores, mas faço outra pergunta: qual o papel da opinião pública em uma guerra? E como esse julgamento se forma?

Depoimentos de ucranianos com parentes na Rússia, publicados pela BBC, dão pistas nessa direção. A jovem Oleksandra, de 25 anos, que está abrigada com seus cachorros no banheiro de seu apartamento em Kharkiv, há mais de dez dias sob ataque, não consegue convencer os pais, em Moscou, que civis estão morrendo pelos bombardeios russos. Segundo ela, ainda que preocupados com a filha, os pais repetem o que ouvem na TV estatal.

Meus pais entendem que alguma ação militar está acontecendo aqui. Mas eles contra-argumentam: ‘Os russos vieram para libertá-los. Eles não vão estragar nada, eles não vão tocar em você. Eles estão apenas mirando em bases militares’”, contou a jovem à BBC, em depoimento semelhante a outros entrevistados com família no país invasor.

Claro, a mídia ocidental mente também - e muito. Basta lembrar do caso das armas químicas (inexistentes), usadas para os Estados Unidos invadirem o Iraque, desinformação que foi publicada como verdadeira até pelo New York Times. Ou a ausência de notícias sobre a guerra no Iêmen, liderada pela Arabia Saudita com apoio dos Estados Unidos, que já deixou mais de 10 mil crianças mortas ou mutiladas.

Mas, para além de aliados e inimigos, a informação que os correspondentes de guerra trazem, inclusive os brasileiros, como nosso querido Yan Boechat, é essencial para disparar a solidariedade mundial, o apelo à paz, a repugnância pela crueldade dos bombardeios contra civis.

O jornalismo é um serviço público essencial à democracia e ao direito à informação. As distorções, omissões e manipulações - que também ocorrem nos países em que a imprensa é oficialmente livre - resultam da falta de independência (em relação ao mercado, ao patrão, aos padrões ideológicos vigentes) e não do excesso de prerrogativas dos jornalistas, ou da futilidade do seu trabalho.

No próximo dia 15 de março, a Agência Pública completa 11 anos, o que também pode ser considerado um marco na criação da mídia independente de DNA digital que se desenvolve no país desde então. São esses veículos valentes que impulsionaram pautas essenciais para os brasileiros, como o genocídio indígena motivado pela ganância do governo e seus aliados, os efeitos do racismo estrutural, a perseguição à população LGBTQIA+, a violência contra as mulheres até no momento do parto. É deles que precisamos, se não para mudar o mundo, para que o país aprenda a ouvir aqueles que podem fazer isso: as mulheres, os indígenas, os negros, os jovens de periferia, os defensores de direitos humanos. Incluí-los no debate, mostrar as violações que sofrem e as mentiras das quais são alvo é a nossa missão.

Agradeço a todos os que fazem parte da equipe da Pública, a todos os jornalistas parceiros que remam na mesma direção e, principalmente, a você, leitora e leitor, que estão com a gente nesse resgate do jornalismo como instrumento de consciência e de qualificação do debate democrático. E que venham as eleições livres e democráticas, dessa vez, com muita informação de qualidade pra gente rebater as falsidades e discutir o que interessa. Muito obrigada!

Marina Amaral

Diretora Executiva e Editora da Agência Pública




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