Carlos Lamarca em treinamento. Foto Wikipedia
Este é o título do livro de Oldack Miranda sobre a vida de Carlos Lamarca. No mês passado – dia 21 de setembro – completaram-se cinquenta anos da morte de Lamarca. A imprensa não deu a mínima atenção para esta data. Preferiu referir-se exaustivamente ao onze de setembro americano. Perdemos uma ótima oportunidade de uma revisão histórica e de explicitar semelhanças de governo desta e daquela época. Lamarca entrou para a Escola Preparatória em Porto Alegre em 1954. Foi promovido a capitão em 1967 e desertou já em  janeiro de 1969. Serviu no Canal de Suez e, lá como aqui, ficou impressionado com a pobreza. Sempre teve o pensamento voltado para o social. “Precisamos acabar com a fome e dar moradia para esta gente”, dizia para esposa. Foi um bom militar, com bom relacionamento no meio da tropa. Quem estava sob seu comando não queria sair. Quem não estava, queria estar com ele. Sua deserção deixou surpresos até seus comandantes.

Antes de desertar do exército, em janeiro de 1969, e fazer parte da VPR (Vanguarda Popular Revolucionárias) entrou com uma Kombi no quartel e levou sessenta e três fuzis FAL A ideia era levar 360, mas o plano de entrar com um caminhão falhou. Lamarca caiu na clandestinidade. Neste mesmo ano, mandou sua família para cuba, a mulher e os dois filhos. Viagem clandestina para não serem descobertas: passagem por Roma, Tchecolosvaquia, Canadá e Cuba, onde passaram a morar. Em carta de junho de 1969, pedia a esposa que não voltasse ao Brasil

Sua primeira ação armada foi o arrojado assalto a dois Bancos ao mesmo tempo:  Banco Mercantil de São Paulo e o Banco Itaú, próximos um do outro. Matou com um tiro na testa, a trinta metros de distância um guarda civil que tentou interferir no assalto. Lamarca era exímio atirador e estrategista. No Vale da Ribeira, os soldados morriam de medo de um confronto com ele.

Acreditava na guerrilha rural como forma de tomar o poder. Acreditava que em cinco anos a luta armada estaria vitoriosa, teria derrubado o governo. Tentou organizar a guerrilha no Vale da Ribeira, mas em três meses foram descobertos. O Exército montou um grande esquema para prendê-los. Aviões C47, bombardeio B25, caças T6. Dois mil e quinhentos soldados, a maioria recrutas, totalmente despreparados, ocuparam a mata. Segundo Lamarca, esta guerrilha envolveu vinte mil soldados. Acho um exagero. Acabaram com a guerrilha, mas não conseguiram prender Lamarca. Já no final da guerrilha, depois de quarenta dias na mata, cercados, sem alimento, sem calçado, já debilitados, teve uma fuga espetacular: conseguiram sair da mata, chegaram à margem de uma rodovia dispostos a pegar a primeira condução que aparecesse. Veio um caminhão do exército, que procurava prendê-lo, com cinco ocupantes. Lamarca e seu grupo, renderam os soldados, vestiram suas fardas, obrigaram a deitar no caminhão, passaram pela barreira do próprio exército e foram para São Paulo.

O governo estava disposto a acabar com os movimentos de esquerda, com as guerrilhas. A tortura corria nas prisões, com requintes de crueldade. Os prisioneiros sofriam toda forma de tortura: coroa de Cristo, Cadeira do Dragão e o mais comum: espancamentos e choques elétricos na boca, nas orelhas, olhos, ânus, vagina, pênis e nos seios.

Uma das formas de livrar os companheiros da prisão foi o sequestro de embaixadores:  Foram quatro sequestros. Lamarca participou de dois: o do cônsul japonês e o do embaixador suíço em dezembro de1970, o último sequestro. Lamarca comandou pessoalmente este último. Pedia a libertação de 70 prisioneiros. Durou quarenta e dois dias este sequestro. O governo procurava ganhar tempo para descobrir o esconderijo, recusou a libertação de alguns presos e isto obrigava os sequestradores a refazer a lista. Bacuri, por exemplo estava jogado em uma cela em um sítio, com os braços e pernas quebrados, dentes arrancados e um olho vazado, perfurado. Um mulambo sem nenhuma assistência médica. Depois de tanta tortura nem tinha condições de sair da prisão, morreu ali mesmo. Lamarca comandou o sequestro e o aparelho onde estava o embaixador suíço. Em um dado momento, devido à demora do governo, os sequestradores decidiram pela maioria, matar o cônsul. Lamarca não permitiu e disse “o comandante sou eu”.

 A polícia não deu trégua. Estavam próximos de prender Lamarca. Os companheiros queriam tirá-lo do país. Ele não aceitou. Em junho de 1971, decidiu fugir para a Bahia, para Brotas de Macaúba, em um caminhão velho. Em sua última noite no Rio, a polícia havia prendido um colega da casa onde estava escondido, os famosos aparelhos.  Avisado, Lamarca e Yara, sua amante, passaram a noite toda andando de ônibus coletivo para não serem descobertos.

No interior da Bahia, de junho a setembro de 1971, sonhava em organizar uma guerrilha, até que a polícia o descobriu. Foi perseguido, caçado. Em Buriti Cristalino, primeira parada de Lamarca, a polícia prendeu, torturou pessoas para revelarem o paradeiro o seu paradeiro. Fugiram ele e um companheiro para Brotas e dali entrou sertão a dentro. Percorreu trezentos quilômetros, a pé, sempre denunciado pela população local,  perseguido pelo Major Newton Cerqueira e seus soldados. Já faminto, estropiado, sem condições de andar, foi morto pela tropa do Major, depois de uma caçada de vinte dias. Ao todo foram utilizados 215 homens na caça a Lamarca.

O que fez Lamarca se destacar dentre tantos guerrilheiros? Suas ações ousadas como o assalto simultâneo a dois Bancos, o roubo dos fuzis do quartel de Quitaúna. Ter saído vivo e sem ser preso do Vale do Ribeira. Além disto, era grande estrategista e procurava aglutinar as esquerdas à medida que os grupos iam se enfraquecendo devido às prisões. O governo ficou quarenta dias procurando o aparelho onde estava o embaixador sequestrado e não conseguiu localizá-lo. Usou neste sequestro o codinome de Cláudio. Nem os próprios sequestradores incialmente sabiam que ele era o Lamarca.

Morreu próximo de completar trinta e quatro anos. Durou três anos e meio sua vida clandestina. Abandonou sua carreira militar por muito pouco.   Tornou-se um mito para a esquerda brasileira. A luta armada foi o grande equívoco da esquerda brasileira e Lamarca foi ator e também vítima deste equívoco.

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